Com apenas 40% das metas cumpridas, o PRR arrisca-se a ficar aquém da maior oportunidade de investimento europeu.
O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), nascido há pouco mais de quatro anos, era, na sua génese, o instrumento e o Programa ideal para alavancar o crescimento económico da Europa, numa era pós pandémica, de forma sustentada e orientada para os atuais desafios digitais e climáticos. No entanto, apesar da clara promessa de crescimento, Portugal está aquém das expectativas desenhadas, arriscando-se a perder uma oportunidade ímpar, desvirtuando, ao longo do processo de execução, os grandes objetivos do Programa.
Com o início da implementação da bazuca europeia, em 2021, e a menos de um ano do seu término, Portugal cumpriu, até ao dia de hoje, 40% dos marcos e das metas contratualizadas com a Comissão Europeia, relevando incapacidade em cumprir com os objetivos propostos, estando aquém da execução inicialmente projetada. O que está, então, a falhar na execução do PRR?
Ao longo dos anos de execução deste Programa verificou-se um acompanhamento insuficiente e débil das respetivas Entidades Gestoras, bem como dos respetivos Governos, seja através da implementação de procedimentos extremamente burocráticos e desadequados para a realidade da maioria das entidades públicas e privadas do tecido empresarial e de investigação português, que colocam em causa a operacionalização dos investimentos em curso, seja através da morosidade decisória, da insuficiência de recursos humanos técnicos especializados ou através do desenvolvimento de softwares/plataformas inconstantes dedicados à operacionalização do Programa. Assim, dado o atual ritmo de execução, e uma vez todos os entraves anteriormente identificados, acredito que é irreal manter a expectativa do cumprimento das metas sem reprogramações adicionais ao Programa, sendo imperativo responsabilizar as respetivas Entidades Gestoras e entidades governamentais competentes, pelo conjunto de constrangimentos identificados e expostos pelos beneficiários do PRR, ao longo de toda a execução do Programa.
Paralelamente, e atendendo todos os investimentos a serem desenvolvidos sob o chapéu desta bazuca, também se verifica que não ocorreu um planeamento cuidado e integrado destes investimentos com o futuro pós-PRR, que rapidamente se aproxima. Acredito que a execução eficiente e plena do PRR em Portugal, não se esgota e extingue no cumprimento das metas e objetivos propostos e da respetiva entrega de Pedidos de Pagamentos à Comissão Europeia. É imperativo criar mecanismos e infraestruturas capazes de assegurar a viabilidade dos investimentos efetuados, garantido que haja criação de valor contínua e sua respetiva sustentabilidade, após o ano 2026. Porém, quatro anos depois, Portugal não mostrou provas de estar preparado para este desafio.
A realidade é que a grande maioria dos beneficiários deste Programa tem vindo a manifestar-se, continuamente, de todos os entraves impostos pelas Entidades Gestoras, que os impedem de concretizar e executar os investimentos, tal como estes tinham sido propostos, numa fase inicial da execução. Na verdade, e dada a insuficiência de respostas e segurança para a continuidade de execução, muitos destes beneficiários têm vindo a recorrer a entidades externas, especializadas na execução e acompanhamento de programas financiados, sendo esta a principal solução para navegar questões complexas, inerentes à operacionalização e execução do PRR. Desta forma, acredito que estas entidades externas, sejam clusters, consultoras especializadas, entre outros, colmatam a falha já evidenciada das Entidades Gestoras, revelando-se, assim, essenciais para levar o financiamento europeu a bom porto, atendendo o elevado nível de especialização, dedicação e cuidado que o Programa tanto necessita.
Texto publicado no jornal Observador, a 22 de setembro de 2025
O IFIC chegou como mais um teste à nossa capacidade de conciliar a pressa da execução com a clareza da visão.
O anúncio dos três primeiros avisos do IFIC – Instrumento Financeiro para a Inovação e Competitividade, deveria assinalar o momento em que a recuperação portuguesa se transfigura em ambição estratégica. Em vez de simplesmente gastar um orçamento, poderíamos investir num novo ADN económico. No entanto, ao analisar os seus contornos, deparamo-nos com um quebra-cabeças de intenções, onde as peças da intervenção pública e da lógica de mercado não casam de forma evidente.
Comecemos pelos teasers sucessivos que anunciavam algo em grande, até ao grande plot twist: a publicação dos tão aguardados avisos de concurso, que chegou de tal forma que ninguém sabia se devia correr ou esperar pelas legendas. Talvez as entidades gestoras tenham aprendido com a avalanche do aviso da Indústria 4.0 (aquele que abriu e fechou em poucas horas), mas, ao tentar evitar a multidão à porta, acabámos com um ecossistema suspenso, à espera de instruções que nunca mais chegavam.
E é aqui que reside o verdadeiro paradoxo dos instrumentos públicos de financiamento: se anunciam cedo, criam corridas; se anunciam tarde, geram incerteza; se dizem muito, complicam; se dizem pouco, obrigam-nos a uma arqueologia hermenêutica pelas entrelinhas, para, no fim, concluirmos que ‘depende’.
Mas voltemos aos avisos. O da Reindustrialização ilustra bem o dilema entre execução rápida e visão estratégica. Com prazos curtos e exigência de previsibilidade, favorece projetos seguros e de baixo risco técnico, afastando inovações verdadeiramente disruptivas e influenciando, ainda que involuntariamente, o perfil da nossa economia. Curiosa é também a leitura de fundo: depois de o Portugal 2030 ter afastado as Grandes Empresas dos apoios produtivos (a não ser quando rebocadas por consórcios com PME e investimentos avultados em I&D), esta linha parece uma resposta silenciosa e uma forma de repor o lugar das Grandes Empresas na política industrial – um gesto mais simbólico do que estrutural.
Já o modelo híbrido Inovação Produtiva + I&D recorda vagamente o espírito das miniagendas, mas introduz uma novidade: a validação científica passa a ser responsabilidade (e custo) da própria empresa, sem regras claras ou base de peritos acreditados. É uma iniciativa que liberta o sistema público de contratações demoradas, mas transfere entropia e incerteza para as empresas, além de abrir espaço para escolhas mais convenientes do que independentes.
O aviso da IA nas PME tropeça numa contradição de escala. Permite investimentos reduzidos, apoios de 75% e até despesas retroativas a janeiro. Uma boa notícia para quem quer dar o primeiro passo na transição digital, mas também um convite ao congestionamento. Ao replicar modelos de baixo valor e alta procura como os dos vouchers ou da Indústria 4.0, arrisca-se a gerar mais ruído do que impacto. As PME precisam de projetos ambiciosos e apoio técnico especializado, e não de um reembolso para uma subscrição de software. Na tentativa de chegar a todos, corre o risco de não servir profundamente ninguém, perpetuando uma cultura de digitalização superficial, com mais logins do que transformação.
Finalmente, o aviso da Economia da Defesa e Segurança, que surge como uma espécie de Reindustrializar fardado, quase com o mesmo figurino e critérios, apenas adaptado ao léxico das tecnologias dual-use, e com inspiração num mix de incentivos do Portugal 2030, que trata a Defesa como mais um setor, ignorando a sua singularidade. É o aviso que mais claramente expõe a tensão entre o risco do Estado e o risco de mercado. As empresas neste domínio enfrentam um cliente soberano, ciclos de I&D longos, requisitos de certificação críticos e processos incertos que antecedem a própria produção. Um instrumento verdadeiramente adaptado funcionaria menos como um banco e mais como um parceiro paciente de capital, focado nas desejadas capacidades de soberania.
O IFIC chegou como mais um teste à nossa capacidade de conciliar a pressa da execução com a clareza da visão. No fim, revela a nossa hesitação coletiva perante o futuro, onde o projeto de um país moderno e competitivo continua, por enquanto, a ser escrito a lápis, com um olho nos prazos e o outro nas legendas. Ainda assim, há clareiras no nevoeiro. Entre regulamentos e prazos, o IFIC apresenta instrumentos que recompensam quem planeia e decide com consciência estratégica, abrindo espaço a oportunidades reais de financiamento a empresas com projetos amadurecidos e visão clara sobre o seu papel na economia. Pode não ser um mapa linear, mas é precisamente nesse jogo entre regras e intenções que se revela a verdadeira arte portuguesa do financiamento.
Texto publicado no Jornal ECO, a 7 de outubro de 2025
O Governo português está a rever o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para assegurar que todos os fundos europeus sejam utilizados até agosto de 2026, conforme exigido pela Comissão Europeia. Para isso, serão retirados do plano os projetos cuja execução não seja viável dentro do prazo, redirecionando essas verbas para iniciativas com maior probabilidade de concretização.
Como resposta, foi criado um novo Instrumento Financeiro para a Inovação e Competitividade, gerido pelo Banco Português de Fomento, com uma dotação inicial de 315 milhões de euros. Este fundo serve de “válvula de segurança”, permitindo que verbas não utilizadas sejam automaticamente canalizadas para apoiar projetos empresariais inovadores.
Segundo o Ministro das Finanças, os projetos financiados por subvenções só precisam de estar contratualizados até agosto de 2026, podendo ser executados posteriormente. Já os projetos financiados por empréstimos que não cumpram os prazos terão o seu financiamento assegurado pelo Orçamento do Estado, sem impacto relevante nas contas públicas.
A taxa de execução do PRR português já atingiu 47%, acima da média europeia, com mais de 8 mil milhões de euros pagos aos beneficiários finais. Apesar dos avanços, persistem desafios em áreas como saúde e habitação, mas o Governo garante que nenhuma verba será perdida e que todas as metas serão cumpridas até ao final de 2026.
O novo fundo combina apoios a fundo perdido e garantias públicas, com candidaturas simplificadas para projetos de reindustrialização, inteligência artificial, sustentabilidade e “dual use”, apoiando tanto PME como grandes empresas inovadoras.
Com esta reprogramação, Portugal pretende evitar a perda de fundos comunitários e reforçar o investimento em setores estratégicos, como inovação, ciência, saúde e transição digital, aproveitando ao máximo os recursos europeus para acelerar o crescimento económico e a modernização do país.
Beatriz Sousa, Consultant
O PRR prometia modernizar Portugal, mas arrisca-se a ficar apenas na retórica e no papel.
O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) prometia ser a grande oportunidade para modernizar a economia portuguesa, uma injeção de capital e visão estratégica capaz de transformar o país e colocá-lo na linha da frente da inovação europeia. Mas, na prática, o que se observa é um desfasamento gritante entre as ambições inscritas nos documentos oficiais e a realidade concreta das empresas que deveriam dar corpo a esse futuro.
O obstáculo não é falta de fundos, mas a incapacidade de gerar resultados com o investimento. A realidade das empresas portuguesas continua marcada por estruturas frágeis, processos ultrapassados e lideranças despreparadas. A economia vive há décadas de improviso, soluções de curto prazo e gestão focada na sobrevivência, e o PRR apenas expõe essa fragilidade.
Departamentos de inovação, quando existem, são acessórios sem ligação à estratégia. Falta integração, continuidade e visão. É inovação de vitrine — bonita nos relatórios, irrelevante na prática.
O resultado é previsível: projetos que arrancam com entusiasmo naufragam em burocracia, relatórios intermináveis e ausência de articulação com os objetivos estratégicos. A maior dificuldade não está na execução técnica, mas na preparação das empresas para absorver investimento e gerir transformação.
Uma organização sem estratégia definida, sem objetivos mensuráveis e sem acompanhamento contínuo não pode esperar milagres de fundos europeus.
Mais grave ainda: ao canalizar recursos para empresas sem condições mínimas de sustentabilidade, o país perpetua um ciclo conhecido. Investe-se, mas não se transforma. Gasta-se, mas não se cresce. O PRR corre o risco de ser só mais uma oportunidade perdida, que alimenta relatórios mas não muda
a realidade.
E é aqui que se coloca a pergunta incómoda: queremos realmente modernizar a economia ou apenas gastar dinheiro europeu? Se a resposta fosse a primeira, falaríamos menos de alocação de verbas e mais de reformas estruturais: substituir lideranças acomodadas, exigir resultados e premiar quem
transforma, não quem sabe preencher formulários.
A modernização não se decreta, constrói-se. O dinheiro do PRR pode ser um catalisador, mas não substitui aquilo que falta de forma crónica em Portugal: cultura de planeamento, visão estratégica e capacidade de execução. E é precisamente aqui que se torna evidente a necessidade de estruturas de
gestão robustas, capazes de ligar a visão à prática, de acompanhar projetos de forma contínua e de transformar intenções em resultados. Hoje, já existem serviços especializados que oferecem essa competência de forma externa e flexível, ajudando as empresas a criar processos sólidos sem depender apenas de recursos internos que muitas vezes não possuem. Ignorar essa possibilidade é condenar-se a repetir os mesmos erros de sempre.
O PRR deveria ser encarado como a oportunidade de romper com esse padrão, mas arrisca-se a ser apenas mais um capítulo daquilo a que já podemos chamar a “modernização à portuguesa”: muita retórica, pouca transformação. O país não pode continuar a fingir que progride enquanto mantém alicerces frágeis. A verdadeira pergunta é: teremos coragem para encarar a fragilidade estrutural do nosso tecido empresarial ou vamos contentar-nos, mais uma vez, com a ilusão de modernização só no papel?
Carlota Moreira, Project Manager
Texto publicado no Jornal Económico
A FI Group organizou a sessão “Trabalho com Humanidade – Caminhos para um Futuro Justo e Inclusivo”, em parceria com o LACS e a EqualWeb, num espaço que fomenta inovação, inclusão e colaboração. O evento reuniu especialistas, líderes empresariais e testemunhos reais para debater os desafios e as oportunidades de construir ambientes de trabalho mais justos, acessíveis e equitativos.
A sessão abriu com a importância das relações humanas no contexto atual, marcado pela tecnologia e inteligência artificial. Marta Orfão, diretora de consultoria da FI Group, sublinhou: “O nosso maior ativo são as pessoas. Queremos que cada um faça parte desta transformação, porque só assim criamos uma organização onde todos se sintam incluídos e respeitados.”
Na vertente jurídica, o Dr. Jorge Barros Mendes (Ordem dos Advogados) destacou a legislação portuguesa e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, nomeadamente a igualdade de género, o trabalho digno e o acesso à justiça. Referiu que: “Quando nós impomos cotas significa que alguma coisa está mal. A verdadeira inclusão exige que olhemos para os colaboradores exatamente da mesma forma e com a mesma capacidade.”
Foi ainda abordada a necessidade de adaptar funções e ambientes de trabalho para garantir a integração de pessoas com deficiência, indo além do mero cumprimento legal.
A mesa redonda trouxe exemplos práticos de inclusão, com representantes da Associação Salvador e da EqualWeb. Diana Machado, da Associação Salvador, explicou: “A igualdade é tratar todos de igual forma, mas equidade é adaptar os recursos para que as pessoas tenham as mesmas oportunidades, de forma justa.”
Foram discutidas medidas como acessibilidade física e digital, processos de recrutamento inclusivos e a importância de uma comunicação clara e acessível.
O testemunho de Manuela Oliveira, arquiteta e utilizadora de cadeira de rodas, evidenciou os obstáculos enfrentados desde a escola até ao mercado de trabalho, mostrando como pequenas adaptações podem ser determinantes para a inclusão. O seu relato reforçou a importância de olhar para as necessidades individuais e de promover ambientes verdadeiramente acessíveis.
O evento concluiu que a inclusão é uma responsabilidade coletiva. Cabe às organizações criar condições para que todos tenham acesso às mesmas oportunidades, mas também a cada um de nós estar atento e agir para promover uma cultura de empatia e respeito. Só assim se constroem locais de trabalho verdadeiramente humanos, onde a diversidade é celebrada e todos podem crescer.
A FI Group reafirma o seu compromisso com a inovação social e desafia colaboradores, parceiros e comunidade a refletirem e agirem para um futuro mais justo e inclusivo. Porque trabalhar com humanidade é garantir que ninguém fica para trás.
Pode rever toda a sessão aqui.